quarta-feira, 28 de outubro de 2020

“MACHISMO MATA”

                              

“MACHISMO MATA”

Caso estes versos se chamassem

De poesia ao invés de poema

E usassem o nome Maria

Por exemplo, já bastaria

Para aumentar suas chances

De ser agredida ou assassinada

 

No Brasil, somente em 2019

1314 mulheres e 124 pessoas trans

Foram mortas unicamente

Por causa dos seus gêneros

Segundo dados oficiais

Ainda inferiores à realidade

 

“O machismo mata todos os dias”

Se esta frase não é minha

A responsabilidade é toda nossa

 

Geraldo Ramiere

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

A PRIMEIRA CHUVA DE PRIMAVERA

 

A PRIMEIRA CHUVA DE PRIMAVERA

As flores foram proibidas. Todas elas. Nunca explicaram exatamente o motivo, mas acabaram sendo consideradas subversivas, degeneradas, profanas, perigosos símbolos de alguma revolução que se precisava deter antes que acontecesse. Eram censuradas, confiscadas, recolhidas, queimadas. Quem portasse mesmo que fosse uma simples flor seria preso e, dependendo da quantidade, executado. Até as flores das árvores eram perseguidas e destruídas, impedindo assim o nascimento da maioria dos frutos, o que trouxe uma época de fome infindável. Diversas cores também foram banidas, e apenas as consideradas neutras continuavam sendo permitidas. Ainda houve aqueles que resistiam, e de vez em quando alguma flor aparecia em lugares inesperados, porém rapidamente era arrancada. A maioria dos pássaros e insetos desapareceram. E com o tempo, das flores restaram apenas suas imagens, depois também decretadas ilícitas. A primavera já não existia e o inverno tornou-se a única estação. Passados os anos, chegou o dia em quase ninguém das flores se recordava mais. Foi quando aquela chuva veio. Por entre tantos silêncios, poucos perceberam as densas nuvens lentamente ocupando os céus, até que numa certa noite, uma tempestade que há tempos não se via, formou-se de repente, e com ventos que assobiavam soprando forte, surgiu desabando sobre a cidade, molhando quem passava. E quando intensamente chovia, o que parecia ser sementes emergiam misturadas à água, algo para qual quase ninguém deu atenção. Ao amanhecer do dia seguinte é que as pessoas se espantaram. Incontáveis flores, de todas as espécies e cores, surgiam em todos os lugares. Nas fachadas das casas e dos prédios, sobre os telhados, muros e carros, brotavam dos asfaltos e calçadas, envolviam antenas, postes e fios de alta tensão. Havia flores inclusive nas pessoas, em suas roupas, sapatos, cabelos e pensamentos. As árvores voltaram a florescer e logo ouviu-se os sons da natureza outrora desaparecida. E mesmo com tamanho reflorescimento, alguns ainda queriam tentar impedir tudo aquilo e manter as flores proibidas, porém, fazer isso já não era mais possível, e com seus ódios acuados, dos seus poderes retrocederam, sem deles nunca desistir. Enquanto isso, pelas ruas se celebrava, principalmente entre as crianças, a primeira de muitas primaveras.

Geraldo Ramiere

Tradutor