segunda-feira, 7 de agosto de 2017

COM O DEDO NA GARGANTA

Eu queria que minha poesia se transformasse em pão
Para alimentar os que têm fome

Eu queria que minha poesia se transformasse em casa

Para abrigar quem a padece ao relento 

Eu queria que minha poesia se transformasse em coragem

Para libertar os aprisionados pelo medo 
Eu queria que minha poesia se transformasse em afago
Para todos que buscam um pouco de afeto
Eu queria que ela fosse algo real, palpável, degustável, concreto...
Algo mais do que metáforas e rimas, maior do que palavras 
Mas o que a poesia poderia fazer para um trabalhador exausto?
Ou para a mãe que chora a morte de um filho? 
Para quem espera em filas, para quem aguarda vagas
Para quem dorme debaixo de viadutos, para quem não dorme
Para quem se alimenta de lixo, para quem é jogado no lixo
Para quem não tem para onde ir, para quem não tem porque continuar
Para tantos outros que são diariamente roubados, violentados, esquecidos? 
Para quê serviria a poesia para eles? Pra quê serve a poesia?
Se um poema não enche barriga, não aumenta salários
Se um poema não ameniza calos, não acaba com a tortura 
Não retira câncer, não cessa o terror, não traz qualquer cura?
Quem me dera acreditar que minha poesia alivia alguma dor
Quem me dera derrubar cercas e muros com um riso
Quem me dera fechar todas as feridas com meu toque 
Fazer de cada verso um barco, de toda rima um porto
Transformando palavras em plumas, das plumas leito
Onde alheios sonhos descansariam até se tornarem realidades
Que a náusea seja espelho cego para os glorificadores de reflexos
Ao invés de outro escudo para quem reside nas alcovas do silêncio
Retiremos da dúvida a coragem que o nojo esconde por vaidade
Para que quando libertos das nossas correntes de temor e culpa 
Devorados por nossa fraqueza, engasgados com nossas misérias
Com tijolos do quem eram nossos castelos de mediocridade 
Possamos construir caminhos de volta para onde nunca estivemos
E crianças chorarão sementes por entre olhos que sorriem
Trago nestas minhas mãos ocas vários desejos surdos 
Que como feixe de sol que surge por entre grades
São flor que teima brotar em terra árida e estéril
Trago em minha voz rouca um grito mudo 
Abstratos gestos no escuro, um rabisco no muro
Anunciando a luz da manhã de um dia que ainda vem
Trago dentro de mim uma lágrima que não seca
Que é dor e alívio, calma e agonia, vento e chama
Não prometendo nada, e que nada espera de ninguém

Deixo aqui apenas meu testemunho 
Minha canção
                                                     
                                                                            Geraldo Ramiere

IMAGEM: Banksy
Escritos De Uma Cápsula do Tempo#1 - um dos meus primeiros poemas, escrito há mais de 16 anos.

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