domingo, 31 de outubro de 2021

A DUQUESA DO AGRESTE E O MARQUÊS DO POMBAL

 Um cordel planaltinense inspirado em Romeu e Julieta.


A DUQUESA DO AGRESTE E O MARQUÊS DO POMBAL
"Só ri das cicatrizes quem nunca foi ferido."
William Shakespeare
Dizem as lendas que lá pelos sertões
Na antiga distante cidade de Planaltina
Entre os paralelos do Planalto Central
Uma guerra atormentava há gerações
Disseminando ódio além do que se imagina
Sem distinguir quem era do bem ou do mal
Num conflito entre duas diferentes regiões
Em que os inimigos faziam do medo rotina
De um lado o Agreste, do outro o Pombal
Não havendo lugar para paz ou perdões
Pois a cada vingança era uma nova chacina
Mesmo ninguém se lembrando do tiro inicial
Todavia, é o improvável que une os corações
E onde ódios ecoam, o amor surge em surdina
Nos trazendo a narrativa que conto sem igual
No bairro do Agreste, em meio às privações
Criou-se Dulce, dona de uma beleza nordestina
Que muito jovem manteve relação matrimonial
E seu esposo, conhecido como um dos barões
No tráfico foi morto, deixando-lhe viúva menina
Com uma filha pequena, sem qualquer capital
Sendo assim, ela decidiu assumir entre patrões
A posição do marido no comércio de cocaína
Tornando-se a Duquesa, vivendo o mundo real
E era jogando futebol desde garoto nos terrões
Que Marques aprendia o valor de sua melanina
Driblando preconceitos e a desigualdade social
Antes de seu tio matarem, dele era um dos aviões
Assumindo depois a boca da família e sua sina
Chamado agora Marquês, um traficante de moral
E ambos por pertencerem a diferentes facções
Mesmo sem se conhecerem, na rixa assassina
Eram rivais jurados por uma sentença fatal
Mas sucedeu que o acaso, ser dos mais foliões
Logo juntou esses dois num dia de festa junina
Num lugar que para aquele conflito era imparcial
E foi justamente numa barraca de quentões
De frente à Igreja Santa Rita, em noite libertina
Que a Duquesa e o Marquês se viram afinal
Ninguém sabe dizer como nascem as paixões
E nenhum deles poderia explicar patavina
De como surgiu aquele desejo tão abissal
Beijaram-se, sem imaginar as implicações
Desse encontro e daquela felicidade felina
Que terminaria em mais um resultado fatal
Quando os amigos viram, houve discussões
Acabando em tiroteio no meio da esquina
E mortes de ambos os lados, um desastre cabal
Era certo que haveria ainda mais retaliações
E Marquês e Duquesa em revanche repentina
Planejariam um pro outro a emboscada mortal
Semanas depois, fingindo suas reais intenções
Marcaram um encontro nos arredores da colina
Do Morro do Centenário, na Pedra Fundamental
E com receio dos X9s traiçoeiros e espertalhões
Encontraram-se em segredo, sozinhos na neblina
Armados e prontos para darem o disparo letal
Mas eles não conseguiram segurar as emoções
E no carro da Duquesa, sem som nem buzina
Fizeram amor, acordando noutro dia como casal
Desde então, juntos fugiram de todas as punições
Indo com a filha morar pros lados de Cristalina
Para nunca mais retornarem ao Distrito Federal
E voltaram a ser Dulce e Marques, sem ambições
Vivendo dias felizes, agora com a neta Marina
Até hoje apaixonados na parceria mais leal
E após tantos anos, continuam as conflagrações
Com muitas outras incríveis histórias clandestinas
Que iguais a este cordel, não aparecerão no jornal
Geraldo Ramiere (do livro Desencantares Para O Esquecimento, páginas 111-113 , editora Viseu).
IMAGEM: xilogravura de Rogério Fernandes

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Tradutor