sábado, 27 de junho de 2020

29 DE FEVEREIRO

IMAGEM: Arte de Igor Morski
Nasci no vigésimo nono dia de fevereiro de um ano qualquer. Lembro-me nitidamente daquela manhã e do rosto da minha mãe, passando até quase meia-noite sem saber o que faria comigo, até me abandonar na porta de um monastério. Depois consigo me lembrar apenas de quando fiz quatro anos e que no orfanato fui o único a ganhar um bolo sozinho, porque nenhuma outra criança além de mim fazia anos naquela data. E desde então, não sei por qual motivo, em minha memória todos os dias são como se não tivessem existidos, exceto os do meu aniversário. Porém tenho certeza que existiram. Do dia que fiz oito anos lembro-me de que finalmente fui adotado, por um casal de idosos sem filhos; sempre senti saudade daquele momento em que tive um quarto pela vez só para mim. Do dia que fiz doze anos lembro-me que dei meu primeiro beijo, numa criança uma semana mais nova do que eu, depois de passarmos o dia inteiro brincando no quintal. Do dia que fiz dezesseis anos lembro-me que fiz amor pela primeira vez, numa noite de festa e embriaguez. Do dia que fiz vinte anos lembro-me de estar no velório dos meus pais, mortos pela velhice e enterrados juntos. Do dia que fiz vinte e quatro anos lembro-me da minha formatura na faculdade e da tristeza de não ter nenhum familiar por lá. Do dia que fiz vinte e oito anos lembro-me que era também o dia do meu casamento e que deixei cair minha aliança, tamanho era meu nervosismo. Do dia que fiz trinta e dois anos nunca me esquecerei, pois foi quando segurei minha filha nos braços assim que nasceu; o dia mais feliz da minha vida, mesmo com o receio dela ser igual a mim. Do dia que fiz trinta e seis anos lembro-me de um pôr do sol na praia com minha família e como desejei que aquilo durasse pra sempre. Do dia que fiz quarenta anos lembro-me que chorei o dia inteiro em silêncio após me divorciar. Do dia que fiz quarenta e quatro anos lembro-me que descobri minha doença e me deram poucos meses de vida. E hoje, ao fazer quarenta e oito anos, mesmo sabendo que será meu último dia, estou sorrindo, porque apesar de este ser apenas o décimo segundo dia de vida em memória de fragmentos, sinto-me como tivesse vivido séculos, por ter tido uma vida completamente plena.

Por Geraldo Ramiere

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