sábado, 6 de junho de 2020

O EVANGELHO SEGUNDO AS FLORES


                                                    IMAGEM: pintura de Vladimir Kush


Verticílio I – No princípio era uma flor. Brotando do imenso vazio, floresceu cósmica na forma de universo, feminina/masculina, fecundando a si mesma. Dela explodiram infinitas outras supernovas flores de galáxias, das quais foram florescendo inumeráveis nebulosas e estrelas, até florirem planetas de cores e particularidades várias, feito todas as flores que surgem desde então.


Verticílio II – Não é por o universo ser a nossa imagem e semelhança que nós flores devamos nos considerar seres especiais ou mais importantes que os outros. Sabeis que é o oposto. Somos conscientes da nossa simplória existência e necessidade que estejamos em contínua conexão com toda natureza.

Verticílio III – Quando surgiram as primeiras flores, havia duas que apesar de serem aparentemente iguais e terem nascido do mesmo caule, eram na verdade bem diferentes: uma curativa e a outra venenosa. Com o tempo, dividiram-se e geraram diferentes descendentes. Desde então, todas nós flores e todos os demais serem possuem dentro de si essa dupla essência. Qual espécie de flor que irá se desenvolver, dependerá da forma que cada um se cultiva interiormente.

Verticílio IV – Todos os seres são flores em essência. Por isso estamos intrinsecamente conectados. Sem os demais seres nós flores pereceríamos, e eles sem nós certamente não sobreviveriam. Floresceis em verdade e a verdade vos florescerá.

Verticílio V – As flores são todas iguais perante a si próprias, em suas diferenças e singularidades. Nenhuma flor é mais importante que outra, da maior a menor, da mais esplendorosa a mais simples, da mais bela à mais desgraciosa, todas as flores se completam em suas diversidades.

Verticílio VI – As pétalas são apenas uma das partes das flores. Muitas de nós nem pétalas possuem, e nem por isso deixamos de ser flores. O único estigma que aceitamos é aquele que nos liberta e germina.

Verticílio VII – Da mesma forma que lagartas transformam-se em borboletas, algumas flores se tornam frutos. Essas não se consideram melhores que as demais flores, mesmo as que habitam no mais alto das árvores. Elas sabem que em breve voltarão ao mesmo solo de onde vieram. Tu és flores e às flores retornarás.

Verticílio VIII – Os ventos que muitas vezes varrem as flores para longe, são os mesmos que espalham suas palavras. O pólen é a linguagem das flores. Quando dialogamos com às ventanias, espalhamos nosso verbo.

Verticílio IX –. Somente amando outros seres que as flores conseguem amar a si mesmas. Ao amar pássaros, insetos e até mesmo morcegos, nosso amor é transportado para além de nós. Mas nem todos são merecedores dele. É preciso antes que sejamos cativadas, para que nos abramos e deixemo-nos tocar. E também precisamos conquistar amores, com nossas seduções de néctares e perfumes. Muitas vezes é beijando beija-flores e namorando abelhas que nosso amor é semeado. Amai-vos uns aos outros como as flores amam.

Verticílio X – Toda flor sabe-se breve e aguarda tranquilamente o momento de ser colhida. Tristeza para as flores é morrer esquecida, arrancada para o chão. Se puder escolher, decerto toda flor desejaria viver seus últimos dias perfumando algum lar, enfeitando cabelos, declarando amores, decorando casamentos, nomeando uma nova criança, sendo a saudade de alguém. A verdadeira morte para uma flor é não ter propósito algum.

Verticílio XI – Para que possa haver primavera, é preciso primeiro que tu floresças em teu interior, para que desabroches pouco a pouco, aflorando lentamente, de dentro para flora. A estação das flores é a inflorescência de todo dia.

Verticílio XII – Como todo universo são flores, tudo que brota nos céus, cedo ou tarde brotará também na terra. Assim, certa vez o sol desta galáxia sorriu ao ver surgir sobre os campos uma flor, a sua imagem e semelhança. E ao sentir que aquele astro brilhante no céu, era seu reflexo na terra, a própria flor começou a se chamar Girassol. Por ser tão radiante, outras flores a admiraram e a seguiam, outras até a invejavam. Mas o Girassol já nasceu com a sabedoria para entender que apesar de único, não era superior a nenhuma outra flor. Ensinava justamente que as flores deveriam se amar umas as outras, amando todo o universo por ele mesmo também ser uma flor, para que desse modo tudo florescesse em harmonia. Porém um dia, o Girassol simplesmente disse que precisa se despedaçar, para se juntar a seu criador, sendo que na verdade os dois eram um só. Foi quando sob a luz do meio-dia, o Girassol entregou-se aos raios solares, encerrando aquela sua existência. Naquela época as outras flores não entenderam o porque disso e até hoje a maioria tenta ainda compreender tudo aquilo. Sabe-se, contudo, que após partir, o Girassol deixou suas sementes. Surgiram assim, por vários lugares, muitos outros outros girassóis, semeando sóis por toda terra, sob a luz de todas as flores.

Por Geraldo Ramiere

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