quinta-feira, 4 de junho de 2020

LIVRO-ME

Não escrevo poesia
A poesia é quem em mim se escreve
Às vezes em bela caligrafia
Noutras, garranchos indecifráveis
De dentro pra fora sou manuscrito
Nas minhas páginas-pele
Em versos surgindo feito feridas
Com a pena viciada pelo tinteiro
Que meu sangue abastece
E dessa metaforma rascunhada
Amiúde desfolham poemas
Que recolho, e quando quero
Penduro no meu varal de vaidades
Mas eu, este ser-livro
Maior que a vontade
De por outros ser lido
Ando aprendendo, primeiramente
A me ler, relendo-me, se preciso
Letra a letra, linha por linha
Livrando-me pouco a pouco
Das palavras mais pesadas
Até poder, quem sabe
Ser leve o bastante
Para conseguir voar
Com o simples levantar
Da minha capa-braços
Tornando-me assim, além de livro
Um ser-livre, literalmente

Geraldo Ramiere


                         Arte: pintura de Vladimir Kush

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