sábado, 13 de junho de 2020

O LEITOR DOS PÁSSAROS

IMAGEM: pintura de Cristian Schloe

Ele sempre gostou de ler. Desde criança tinha fama de estudioso, mas o que mais lia mesmo era literatura, dos mais variados gêneros e autores. Porém sua casa era muito barulhenta, já que morava com os pais e irmãos. A biblioteca da cidade era pequena e bastante cheia, onde ia apenas para pegar emprestados os livros que queria. Por isso há muito tempo lia em locais ao ar livre. Já tinha lido até no cemitério, mas seu lugar preferido era a praça, silenciosa e rodeada por árvores. Geralmente usava somente os olhos, entretanto, certo dia, sem motivo algum, resolveu ler em voz alta. No início não havia percebido, mas pouco depois começou a notar que sua narração estava atraindo a atenção de inesperados leitores: alguns pássaros, pequenos em sua maioria. Na hora até pensou que estavam apenas ciscando migalhas no chão, contudo, logo já não se podia negar que de alguma forma estavam atentos à leitura. Cogitou até que fosse algum delírio seu, só que no instante em que estavam a sua volta, subitamente parou e fechou o livro; minutos depois os pássaros se dispersaram e voaram para longe. Quando recomeçou a leitura, logo eles voltaram. Nesse dia estava começando a ler Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Foi embora um pouco antes do anoitecer, enquanto os pássaros começavam a se refugir nas árvores em cantoria. Deste dia em diante, todas as tardes se sentava naquele mesmo banco da praça apenas pra ler para aos pássaros. Depois de uma semana, na hora que terminou Dom Quixote havia tantos a sua volta, de diversas cores e tamanhos, que não conseguia nem contar quantos eram. Sentiu-se tão feliz com aquilo, talvez até mais por ter concluído a leitura, que na tarde seguinte voltou com outro livro, e depois outro após outro. Com o passar do tempo descobriu que seus leitores possuíam gostos literários diferentes, em geral variando de acordo com cada espécie. Pardais, rolinhas e pombos apreciavam as histórias simples e contos. Canários e sabiás, os clássicos e poesia. Beija-flores e bem-te-vis, amavam os romances e fábulas. Andorinhas e periquitos, livros sobre aventuras e viagens. Já os joões-de-barro e corujas, adoravam as crônicas e mistérios. E os pássaros que apareciam raramente, como pica-paus, papagaios, araras e outros, eram os maiores leitores de ficções-científicas e realismos fantásticos. Um dia na biblioteca encontrou um livro que imediatamente o atraiu pelo título: Arte de Pássaros, de Pablo Neruda. Na mesma tarde levou-o para a praça e assim que começou a lê-lo, todas as espécies de pássaros se aproximaram, acompanhando a leitura extremamente atentos. Ficou tão contente que passou a procurar livros semelhantes que pudesse levar para eles. Assim, em seguida leu A Menina e o Pássaro Encantado, de Rubem Alves. Nunca tinha tantos leitores como agora e sentia uma alegria que não saberia explicar com as palavras. E no dia em que estava lendo Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, algo surpreendente aconteceu. Ao parar a leitura por um instante, rodeado por dezenas de pássaros, olhou para cima, e observou que muitos mais lhe sobrevoavam escutando a história que narrava. Foi quando teve a idéia de subir em uma árvore para poder ficar mais próximo deles. Os pássaros que estavam sobre o chão e os que voavam pousaram nos galhos. Antes de voltar a ler, no alto viu os telhados de um velho casarão abandonado ao lado da praça; foi quando resolveu subir até lá para ficar no alto ainda mais. Acabou que realmente muitos mais pássaros se juntaram naquele local, além dos que lhe acompanharam desde a praça. Ao sentir o vento batendo em seu rosto e folheando as páginas do livro, deu-se conta que como sentia-se bem ali. E próximo e um pouco mais acima de onde estavam, um grupo de pássaros observava a leitura, imóveis sobre fios de energia. Olhou aquilo com curiosidade, imaginando como seria bom se pudesse estar também naquele lugar junto a todos eles. Foi quando, ao retornar para a leitura, deu-se conta que o telhado sob seus pés havia sumido e agora se encontrava justamente sentado naquele fio, tanto com os pássaros que já estavam ali quanto com os que voaram ao segui-lo. Sem se desesperar, resolveu simplesmente continuar a leitura para todos aqueles pássaros tão atentos. A cada capítulo olhava para cima e via-se cada vez mais próximo das nuvens. Quando enfim chegou ao final do livro, fechou-o lentamente, porém ele lhe escapuliu, não de suas mãos, mas sim, do que eram agora as asas com as quais começava a voar, igual a todos os demais pássaros. E não se importou com o livro que perdia, pois queria agora era ler aqueles céus que surgiam página por página à sua frente. Instantes depois, uma menina que distraidamente passeava pela praça no fim do entardecer, sentiu algo cair sobre sua cabeça. Grande surpresa a sua quando viu que era um livro. Na mesma hora, sentou num banco da praça e começou a lê-lo. Antes do anoitecer e de ir embora, admirou-se ao notar ao seu redor alguns passarinhos, como se quisessem escutar aquela história que ela estava lendo.

Por Geraldo Ramiere


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